Carta aberta sobre o desmonte do Condephaat

CARTA ABERTA

Os docentes das Universidades Públicas Paulistas vêm publicamente manifestar seu repúdio ao Decreto 64.186, de 16 de abril de 2019, que altera a composição dos membros do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo  (Condephaat).  Dentre  as  mudanças está  a  drástica  diminuição  de  representantes  das Universidades Públicas do Estado de São Paulo: USP, UNESP e UNICAMP. O quadro atual de treze representantes, ligados a áreas de conhecimento diversas, reduziu-se a apenas quatro.

O Condephaat tem desde a sua fundação relações intrínsecas com as Universidades, que cumpriram nos seus mais de cinquenta anos papel fundamental na estruturação de políticas públicas de patrimônio cultural. Desde a década de 1970 os membros das universidades ofereceram reflexões disciplinares-epistemológicas, de diversos campos do saber, propondo de maneira efetiva práticas mais alargadas e democráticas na preservação dos bens culturais.

A Lei no 10.247, de 22/10/1968, ao criar o Condephaat, definiu que o Conselho seria formado por “membros de comprovada idoneidade moral e com notórios conhecimentos relativos às finalidades do órgão, designados pelo Governador, como representantes da Secretaria e entidades diversas”. As alterações feitas no Conselho de 1976 a 2006 tiveram como escopo ampliar a sua composição, permitindo a participação das universidades públicas na amplitude de suas áreas de pesquisa e ensino. De modo inédito, os professores universitários ajudaram na expansão das fronteiras do patrimônio, colaborando no reconhecimento nacional do Condephaat em sua dimensão pública, capaz de responder às demandas e debates da sociedade civil, tal como é dever constitucional. Os casos de tombamento da Serra do Mar, do Doi-Codi, da Casa Modernista – para citar apenas três –, emblemáticos na história do patrimônio não apenas de São Paulo, mas do Brasil, relacionam-se diretamente à arrojada atuação dos conselheiros docentes. As Universidades ajudaram o Conselho a cumprir com a promoção do direito à memória e ao patrimônio cultural.

A  complexidade  da  salvaguarda  do  patrimônio  e  a  sua  constituição  como  política  pública exige que o Conselho seja um espaço de ampla troca de ideias, em que as demandas do poder público ou de Estado, tenham a medida dos debates do campo disciplinar e das demandas da sociedade civil. As Universidades cumprem com o papel de produzir conhecimento sobre o tema e são uma dimensão da representação da sociedade no aparato estatal.

A noção de patrimônio extrapola largamente os atributos estético-estilísticos de edificações monumentais,  abarcando  uma  ampla  gama  de  representações  das  identidades  dos  sujeitos sociais. A extensão epistemológica do campo exige que a participação de representantes das Universidades oriundos de diversas áreas de conhecimento seja viabilizada. A multidisciplinaridade do patrimônio cultural vinha sendo cumprida nas representações universitárias, as quais tornaram a seleção e a salvaguarda do patrimônio paulista plural e diversa. A extensão territorial da representação das Universidades é, também, essencial na medida em que não apenas a capital se faz representar, mas as várias regiões que compõem o Estado de São Paulo, nas suas singularidades e demandas.

Fundamental  também  mencionar  que  em  2017  ocorreu  nova  alteração  na  composição  do conselho, que teve por objetivo explicitado pelo seu presidente Carlos Augusto Faggin, reduzir o papel das universidades. Desqualificadas pelo presidente, seja na alteração da composição  do  conselho,  seja nas tensas reuniões  e manifestações, as representações  universitárias resistiram ao longo dos últimos dois anos buscando garantir a articulação entre competência técnica e autonomia política com vistas a salvaguardar a memória paulista.

As Universidades foram surpreendidas no dia 15 de abril de 2019 por novo decreto que não só reduz a participação dos membros, como consolida a instrumentalização do Conselho.

Imprescindível  que  as  dificuldades  de  reconhecimento  pelo  Estado  do  patrimônio  cultural como parte de políticas públicas e o seu papel democrático na implementação de políticas culturais sejam superadas neste momento na sociedade brasileira e que possam contar com as Universidades públicas.

Consideramos que o decreto afronta a história do Condephaat e implica em enorme retrocesso para as políticas de patrimônio, reduzindo a sua capacidade de atuação crítica e diversa. Esperamos que o governo do Estado reveja o decreto, devolvendo ao Conselho sua condição de  excelência  e  competência  técnica  e  política  e  não  uma  representação  dos  interesses  de governo. Nesta perspectiva, é essencial que a representação dos saberes construídos e consolidados nas Universidades, fomentados com recursos públicos, sejam reconduzidos à centralidade na composição do Condephaat.

Subscrevem,

Adalberto da Silva Retto Junior FAAC UNESP

Agnaldo Farias FAUUSP Akemi Ino IAU USP

Aldair Carlos Rodrigues DH IFCH UNICAMP Aline Coelho Sanches Corato IAU USP

Aline Vieira de Carvalho DH IFCH UNICAMP Ana Claudia Castilho Barone FAU USP

Ana Claudia Veiga Castro FAU USP

Ana Judite Galbiatti Limongi França FAUUSP Ana Lucia Duarte Lanna FAU USP

Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, DA, FFLCH-USP Ana Maria M Belluzzo FAU USP

Ana Paula Torres Megiani FFLCH USP Andrea Buchidid Loewen FAU USP Antonio Arantes - UNICAMP

Artur Rozestraten FAUUSP

Astolfo Gomes de Mello Araujo MAE USP Beatriz Kuhl FAU USP

Beatriz Rufino FAUUSP

Bela Feldman-Bianco UNICAMP Benedito Lima de Toledo FAUUSP Bruno Gomide FFLCH USP

Camila D´Ottaviano de Almeida FAUUSP Camila Loureiro Dias DH IFCH UNICAMP Carlos Alberto Ferreira Martins IAU USP Carlos Batalha DH IFCH UNICAMP

Carlos Roberto Monteiro de Andrade IAU USP Cibele Saliba Rizek IAU USP

Claudia de Andrade Oliveira FAUUSP Cristina Meneguello DH IFCH UNICAMP Eduardo Alberto Cusce Nobre FAUUSP Elias Thome Saliba FFLCH USP

Eugenio Fernandes Queiroga FAUUSP Eulalia Portela Negrelos IAU USP Euler Sandeville Júnior FAU USP Fabio Lopes de Souza Santos IAU USP Fabio Mariz Gonçalves  FAUUSP Feres Lourenço Khoury FAUUSP

Fernando Teixeira da Silva DH IFCH UNICAMP Flavia Brito do Nascimento FAU USP

Flávio de Campos FFLCH USP Francine Gramacho Sakata FAUUSP Fraya Frehse FFLCH USP

Gabriel Zacharias DH IFCH UNICAMP Gil Barros FAU USP

Gisela Cunha Leonelli FEC UNICAMP Givaldo Luiz Medeiros IAU USP Heitor Frugoli FFLCH USP

Helena Aparecida Ayoub Silva FAU USP Heloísa Fernandes Silveira FFLCH USP Hugo Segawa FAUUSP

Iris Kantor FFLCH USP Isabel Alvarez FFLCH USP Jade Piaia FAU USP

Javier Mariegos Pablos IAU USP Jeferson Cristiano Tavares IAU USP Joana Mello FAU USP

João Carlos de Oliveira César FAUUSP João Marcos de Almeida Lopes IAU USP João Meyer FAU USP

Jorge Bassani FAU USP

Jorge Coli DH IFCH UNICAMP

José Alves de Freitas Neto DH IFCH UNICAMP Jose Eduardo de Assis Lefevre FAUUSP

José Luiz Caruso Ronca FAU USP José Pedro de Oliveira Costa IEA USP José Lira FAU USP

Josiane Francia Cerasoli DH IFCH UNICAMP Joubert José Lancha IAU USP

Karin Maria Soares Chvatal IAU USP Kelen Almeida Dornelles IAU USP Laura Moutinho FFLCH USP Leandro Karnal DH IFCH UNICAMP Leandro Medrano FAU USP Leopoldo Waizbort FFLCH USP

Luana Saturnino Tvardovskas DH IFCH UNICAMP Luciana Bongiovanni Martins Schenk IAU USP Luciana Royer de Oliveira FAU USP

Luciano Migliaccio FAU USP

Lucilene Reginaldo DH IFCH UNICAMP Lucio Gomes Machado FAU USP

Luís Antonio Jorge FAU USP

Luiz Marques DH IFCH UNICAMP Luiz Recaman FAU USP

Manoel Antonio Lopes Rodrigues Alves IAU USP Marcos Tognon DH IFCH UNICAMP

Maria Angela Faggin Pereira Leite FAU USP

Maria Arminda do Nascimento Arruda Diretora FFLCH USP Maria Augusta da Costa Vieira FFLCH USP

Maria Beatriz Borba Florenzano MAE USP Maria Cristina da Silva Leme FAUUSP Maria Cristina Pereira FFLCH USP Maria de Lourdes Zuquin FAUUSP

Maria Helena Pereira Toledo Machado FFLCH USP Maria Lucia Refinetti Martins FAU USP

Mario Henrique Simão D´Agostino FAUUSP

Marta Rosa Amoroso FFLCH USP Miguel Antonio Buzzar IAU USP Monica Camargo Junqueira FAU USP Nabil Bonduki FAUUSP

Neri de Barros Almeida DH IFCH UNICAMP Nilce Cristina Aravechia Botas FAUUSP Nilson Ghirardello FAAC UNESP

Norberto Correa da Silva Moura FAU USP Patricia Dalcanale Meneses DH IFCH UNICAMP Paula Marcelino FFLCH USP

Paula Santoro FAU USP

Paulo César Garcez Marins Museu Paulista USP Paulo Neves UFABC

Paulo Sergio Scarazatto FAU USP Paulo Yassuhide Fujioka IAU USP

Pedro Paulo de Abreu Funari DH IFCH UNICAMP Pedro Puntoni DH FFLCH USP

Rafael de Bivar Marquese FFLCH USP Raquel Glezer FFLCH USP

Raquel Gryszczenko Alves Gomes DH IFCH UNICAMP Raquel Rolnik FAU USP

Regina Maria Prosperi Meyer FAU USP Regina Tirello UNICAMP

Reginaldo Ronconi FAU USP

Renata Maria de Almeida Martins FAUUSP Renato Cymbalista FAU USP

Ricardo Figueiredo Pirola DH IFCH UNICAMP Rodrigo de Camargo Godoi DH IFCH UNICAMP Rosana Helena Miranda FAU USP

Rosaria Ono FAUUSP

Rosio Fernández Baca Salcedo FAAC UNESP Rubens Machado Jr ECA USP

Rui Luis Rodrigues DH IFCH UNICAMP Ruy Sardinha Lopes IAU USP

Sarah Feldman IAU USP

Sergio Adorno FFLCH USP

Silvana Rubino DH IFCH UNICAMP Silvia Helena Passarelli PPGPGT UFABC Simone Helena Tanoue Vizioli IAU USP Simone Scifoni FFLCH USP

Solange Ferraz de Lima Museu Paulista USP Sylvia Caiuby Novaes FFLCH USP

Tereza Paes UNICAMP

Thiago Lima Nicodemo DH IFCH UNICMP

Tomas Antonio Moreira IAU USP Vânia Carvalho Museu Paulista USP Vera Telles FFLCH USP

Wagner da Costa Ribeiro FFLCH USP