Moção do PPG-AU em Defesa do Palácio Rio Branco. Pelo Professor Mário Mendonça de Oliveira.
MOÇÃO EM DEFESA DO PALÁCIO RIO BRANCO
Prof. Arq. Mário Mendonça de Oliveira
Meus caros colegas do PPGAU,
Como sabemos que vocês podem sofrer os mesmos sentimentos de frustração, principalmente aqueles que se dedicam à defesa do nosso maltratado patrimônio, aproveito para desabafar. Neste momento sentimo-nos até profundamente arrependidos de ter usado a nossa inventiva profissional, salvando do colapso o piso do hall da escadaria monumental de entrada e os forros de estuque do Palácio Rio Branco, em 1983, quando estes ameaçavam vir abaixo.
Chegamos a imaginar que o passar do tempo, e depois de tanta pregação, alguma coisa tivesse arejado a mente dos nossos administradores, trazendo-lhes um pouco de sensibilidade e de respeito pela conservação da nossa memória. Pelo que vejo, estamos no mesmo pé dos anos trinta, quando se derrubou a velha Sé Primacial do Brasil!
Temos assistido estarrecidos notícias de que estão pretendendo vender o Palácio Rio Branco, antigo Palácio dos Governadores, para transformá-lo em hotel de luxo. Nada mais impróprio! É necessário que os nossos administradores entendam que, ao lado de um bem patrimonial material, existe, quase sempre, uma carga de valor transcendental e simbólico, que se constitui em patrimônio imaterial a ser respeitado e, por vezes, mais notável do que na sua condição de materialidade. Afinal de contas, a praça aonde nasceu a Cidade do Salvador, nos tempos de Tomé de Souza e Luiz Dias, centro de onde emanavam as decisões de governança da América Portuguesa, constituiu-se em símbolo do poder administrativo colonial, contracenando com o poder religioso do Terreiro de Jesus e, como tal, não pode ter as suas funções completamente subvertidas para atender anseios comerciais menores.
Nada temos contra os hotéis, embora saibamos que a sua instalação vai, fatalmente, entrar em conflito com o caráter distributivo da velha construção que o vai abrigar. Ficaríamos, até, menos incomodados, se estas pretensões fossem de ocupação do Palácio da Aclamação, edificação com menor densidade simbólica, mas o Palácio Rio Branco não seria, a nosso ver, admissível! Esta velha casa dos governadores, não obstante as metamorfoses que sofreu, ainda ocupa o mesmo local sagrado de fundação da Capital da América Portuguesa.
Já que os atuais administradores do Estado buscam desfazer-se do seu patrimônio, alternativas existem, que nos saltam aos olhos, como transformá-lo (como já se cogitou) na sede do poder Municipal de Salvador, dando tratamento condigno ao espaço ocupado pelo atual Paço (?) Municipal, e recompondo o ambiente da praça.
Vocês todos sabem, de sobra, que aquele local ocupado pelo Rio Branco foi, justamente, onde se ergueu o primeiro palácio de taipa de pilão, do primeiro Governador Geral, sucedido por uma construção de “pedra e cal”, obra do arquiteto Felipe Guiteau, seguido por Pedro Garin. Esta fisionomia, igualmente metamorfoseada na versão de 1663, era aquela que os nossos ancestrais, do fim do século XIX, ainda conheceram, com seu pórtico toscano de entrada, exibindo, na fachada, um oratório da Via Sacra urbana, da Cidade do Salvador, da qual nos restam poucas estações.
Versão seiscentista do Palácio dos Governadores, na “Praça do Palácio”.
O melancólico é que isto está acontecendo, por ironia do destino, justamente no ano do centenário da inauguração do atual palácio Rio Branco, que foi levada a efeito em 15 de novembro de 1919! É bom que se destaque, para os colegas pouco íntimos da história soteropolitana, que ele é o segundo palácio da era republicana, construído no mesmo lugar do exemplar do Período Colonial. O primeiro deles, iniciado no Governo de Manoel Victorino Pereira, primeiro governador efetivo do Estado da Bahia, foi uma construção efêmera, inaugurada por Luiz Viana, em 1900: durou somente doze anos, pois foi consumido pelo incêndio que lhe conferiu o bombardeio da cidade, de 1912, cujos impactos principais ocorreram na casa dos governadores, incidente patrocinado por J.J. Seabra, que certamente incomodado pela consciência e pela repercussão do fato, resolveu reformá-lo, embora conservando-lhe a velha estrutura.
Palácio dos Governadores após incêndio que sucedeu ao bombardeio de 1812.
Quando trabalhamos na consolidação deste edifício, em 1983, ainda tivemos a oportunidade de encontrar manchas negras das labaredas que resultaram do bombardeio, nas paredes vizinhas à cobertura que não sofreram tratamento. É curioso observar também, que, mesmo tendo sofrido um corte para alargamento da Rua Chile, muitas paredes foram conservadas do velho palácio e o número de janelas continuou o mesmo em todas as versões, isto é, onze.
Para a sua reconstrução, concorreram personalidades ilustres da engenharia e da construção da época, e das artes, como os italianos Giulio Conti, Filinto Santoro, o Engenheiro Alexandre Maia Bittencourt (fiscal do Monumento ao 2 de Julho) e o engenheiro Arlindo Fragoso, ilustre fundador da nossa Escola Politécnica, além, de Pasquale de Chirico e Oreste Sercelli. A construção deste edifício, porém seria tema de uma tese e não nos cabe neste momento dissertar sobre o assunto.
Uma fórmula que poderia atenuar o desastre que se anuncia, seria pedir o seu tombamento ao IPHAN. A condição de “bem tombado” seria uma garantia a mais, para o caso de que aconteça o pior, isto é, o Palácio dos Governadores vire hotel, em flagrante acinte à dignidade dos soteropolitanos e dos baianos, de maneira geral. Com este instrumento, ao menos dificultaríamos as transformações que viriam como corolário da sua utilização equivocada.
A minha opinião está exarada.
Palácio Rio Branco inaugurado em 1919